Festa de Nossa Senhora do Rosário em Oliveira/MG: Mistura de fé e tradição


O Congado é parte integrante da rica cultura dos negros que foram escravizados aqui no Brasil.

Anualmente acontece no mês de Setembro em Oliveira/MG a tradicional Festa de Nossa Senhora do Rosário (Congado), oficializada pela Prefeitura Municipal da cidade pelo decreto Lei 252 de 10/07/71.

Trata-se de festejos consagrados pelos devotos à sua excelsa Rainha, que revivem o esplendor e a galhardia dos anos anteriores. As ruas de Oliveira ficam repletas de alegria com belas vestes ao som cadenciado das caixas ritmadas pelos cânticos dos congadeiros.

É um dos mais belos acontecimentos do ano na cidade, sendo, portanto, uma festa tradicional que não se apaga na poeira do tempo. São prestadas homenagens aos santos padroeiros, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Mercês, São Benedito, Santa Efigênia, Nossa Senhora Aparecida e à sua Alteza Princesa Isabel. São feitas ainda homenagens póstumas aos congadeiros já falecidos que colaboraram para a preservação da cultura do povo negro.

Em Oliveira, a Casa dos Congadeiros Geraldo e Conceição Bispo conta com um riquíssimo acervo de fotos e objetos que relatam a história dos negros no Brasil e no mundo. Todos os anos, pesquisadores de todo o planeta visitam a cidade para estudarem essa cultura preservada no município, visto que poucas cidades do Brasil têm presente esta preciosidade que passa de geração pra geração. A Casa dos Congadeiros Geraldo e Conceição Bispo possui uma sede própria situada à rua São Judas Tadeu, nº 219, no bairro das Graças. Durante a Festa do Rosário, a casa oferece alimentação aos congadeiros, dentre outros tipos de ajuda, colaborando assim com a preservação da festa em Oliveira.  

A Festa do Rosário, desde seu último retorno, é presidida pela família Bispo Maurício: Geraldo Bispo dos Santos (in memorian), Maria da Conceição Bispo Maurício (in memorian), Geraldo Bispo dos Santos Neto, Heloísa Helena Maurício e demais parentes.



A Festa do Rosário em Oliveira

Não se pode precisar o início da Festa do Rosário em Oliveira, mas existe uma ata da Irmandade do Rosário com data de 1813. O primeiro estatuto é de 1860, contendo 14 capítulos, com aprovação eclesiástica de Mariana/MG, que normatiza ações da Irmandade, muitas de cunho social como amparo e proteção aos irmãos necessitados. Portanto, a Festa do rosário não se iniciou com a Lei Áurea. Segundo o professor Múcio Lo-Buono, que já foi tesoureiro da festa durante vários anos e também rei grande, a cor da roupa da irmandade era creme. A festa foi interrompida pelo menos por duas vezes. Contam alguns mais velhos que a mesma chegou a ser proibida, mas resistiu e marca presença até hoje. Contam ainda que houve um tempo em que a festa acontecia da Igreja dos Passos para baixo e hoje adentra ruas e praças, levando a todo lugar as bênçãos de Nossa Senhora do Rosário.  

No ano da libertação de 1888, mesmo debaixo de forte temporal, a Festa do Rosário aconteceu em Oliveira. Na Capela do Rosário, que tinha a entrada voltada para a praça XV de Novembro, onde está construída hoje a Catedral de Nossa Senhora de Oliveira (Igreja Nova), a Festa era precedida de novena preparatória. Além disso, o almoço ou jantar era oferecido pelos reis e rainhas eleitos para o ano. Segundo a edição de número 57 de 1888 do Jornal Gazeta de Minas, os irmãos do Rosário elegiam os reis e rainhas da festa, juntamente com o rei perpétuo e a rainha perpétua, juízes e juízas, que depositaram as coroas na Igreja do Rosário. Neste ano foram reis: Major José Antônio Teixeira Júnior e Francisco Fernandes de Andrade e Silva. Foram Rainhas: D. Maria Pia da Silva Castro (Esposa do Dr. Franklin de Castro) e D. Maria Olímpia Alves de Oliveira (Filha do professor Joaquim Alves de Oliveira).



A Festa do Rosário, como se apresenta hoje, recomeçou no início da década de 50, depois de uma visão que D. Sinhá Saffi teve em frente à Catedral Nossa Senhora de Oliveira (Igreja Nova - Antiga Capela do Rosário). Em uma noite fria, por volta das 22h:00, D. Sinhá afirmou ter visto de pé, na porta da Igreja, a Senhora do Rosário, cobrindo uma criança nos braços com a sua capa. D. Sinhá relatou o fato ao Sr. Geraldo Bispo e juntos retornaram com a Festa em honra à Nossa Senhora do Rosário, realizada até então onde hoje está instalado o Hospital São Judas Tadeu, tendo apenas três dias de duração. De lá pra cá, a festa acontece na Praça XV de Novembro, sem interrupções, durando oito dias do mês de Setembro.

Na época do último retorno faziam parte da festa: João Francisco Dias (Bena), Geraldo Alexandre da Mata (Pai do Cabana), José Marques da Silva, Leonídio João dos Santos, Maria Eugênia, Hélio Evangelista do Carmo, Pedro Aponísio, João Batista Rosa, José Hamilton, Arlindo Batista da Silva, Geraldo Evangelista, José Ambrósio, Geraldo Francelino dos Santos, Francisco Machado da Silva, Joaquim Vitalino, Antônio Bispo, José Maria Oliveira, José Marcolino, Francisco Beraldo, Pedro Calixto, Dário Lopes, Sebastiãozinho, Maria Vicência, Sr. Ageu, Antônio Pintinho, Joaquim Boiadeiro, Ataíde Pinto de Sousa, Odília, Sr. Altivo, Sá Biquinha, Geraldo Carlos, Sr. Mazuca, Guanumby e outros. 



Levantamento e descimento dos mastros

Em Oliveira, os mastros dos santos padroeiros da Festa do Rosário (Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora Aparecida, São Benedito e Santa Efigênia) são erguidos na Praça XV de Novembro um mês antes do início da festa.



Os mastros têm a função de anunciar que a festa se aproxima, por isso também são chamados de bandeiras de aviso. Apontam para os céus, interligam céu e terra, criatura e Criador. Quem levanta os mastros tem que ir descer no último dia da festa. As pessoas que guardam as bandeiras dos mastros são as “mordomas”. A bandeira que vai à frente dos ternos é a “bandeira de guia”, cada qual com a imagem venerada pelo terno.

Boi do Rosário

É a propaganda da festa. Como em tempos antigos não havia jornais ou rádios, o Boi do Rosário percorria as ruas em lúdico cortejo anunciando que a festa começaria no dia seguinte. E assim tem sido até hoje.



Missa Conga

A Missa Conga é uma celebração com as orações comuns do missal ou algum texto que fale de Nossa Senhora. O que diferencia a Missa Conga das outras missas são os cantos dos congadeiros, de melodia simples, mas profundamente emocionantes, tocando fundo na alma.

A primeira Missa Conga foi celebrada na Paróquia Santos Anjos, no bairro Caiçara, em Belo Horizonte, pelo Padre Nereu de Castro Teixeira, em 1975. Foi idealizada por: capitão Edson Tomaz (Oliveirense e então Capitão-Mor), Associação dos Congados de Minas Gerais, Capitão Salvador Laureano, Capitão Gentil, Lúcio, Waldemiro Gomes de Almeida e o antropólogo Romeu Sabará.



Em Oliveira, por muitos anos foi celebrada a Missa Conga na Igreja dos Passos, porém sem características de Missa Conga. A partir dos anos 80, começa a celebração da Missa Conga campal, na Matriz de São Sebastião, pelo Padre Nilson, sob o comando do Sr. José Maria. Em 1994, já com Padre Miguel (Hoje Bispo da Diocese de Oliveira) e Padre Ananias, a missa foi celebrada dentro da Igreja Matriz de São Sebastião. Em 1995, com grande entusiasmo e emoção, a Missa Conga foi celebrada na Catedral Nossa Senhora de Oliveira (Igreja Nova). Depois de 50 anos, os congadeiros entraram nesse local sagrado, pois, foi ali, ainda no tempo da escravidão, na então Capela do Rosário, que se realizavam as coroações de reis e rainhas. Hoje, a Missa Conga é celebrada na Matriz de São Sebastião e acontece sempre no primeiro dia da Festa de Nossa Senhora do Rosário.

Durante a Missa Conga, cetros, coroas, bastões, instrumentos e outros objetos utilizados durante a festa são abençoados.



Lamento do Negro à Porta da Igreja

O Lamento do Negro é um ritual feito à porta da Igreja, evocando o tempo em que não era permitido ao negro-escravo entrar nos templos religiosos. Diz o Lamento:

Vou contar-lhe uma história
Peço, preste atenção
É uma história muito antiga
Do tempo da escravidão.

No dia 13 de Maio
Assembléia trabaiô
Nego veio era cativo
E a Princesa libertô
Nego veio era cativo
E agora virou Sinhô.

No tempo da escravidão
Era branco que mandava
Quando branco ia pra missa
Era nego que levava.

Quando branco ia pra missa
Era nego que levava
Branco entrava pra Igreja
Nego cá fora ficava.

Branco entrava pra Igreja
Nego cá fora ficava
E se nego reclamasse
De chiquirá ele apanhava.

E se nego reclamasse
De chiquirá ele apanhava
Nego só ia rezar
Quando na senzala chegava. 

Reza-se pelas almas dos negros escravos falecidos:

Que dó, que dó,
Jesus Cristo está no céu
Amparando estas almas
Desses nego sofredô.

Pedido feito ao padre para que seja aberta a porta para os negros entrarem na Igreja:

Ô sinhô abra a porta
Que os nego quer entrar
Para ouvir a Santa Missa
Que o Sinhô vai celebrar. 

Louvor a Nossa Senhora do Rosário:

Virgem do Rosário
Sois rosa mimosa
Entre as outras flores
Sois mais formosa.

Maria concebe o verbo encarnado
Que veio ao mundo
Remir os pecados.



Reinados

Os reinados acontecem durante sete dias na Praça XV de Novembro. O reinado de Nossa Senhora do Rosário acontece duas vezes, nos dois primeiros dias da festa. O reinado de Nossa Senhora das Mercês acontece também duas vezes, portanto, no terceiro e quarto dia da festa. No quinto dia acontece o reinado de São Benedito, no sexto, Santa Efigênia e no sétimo, Nossa Senhora Aparecida.
Anualmente, participa de todos os reinados, uma jovem mulher da sociedade oliveirense representando a sua Alteza Princesa Isabel.



Procissão Conga

Acontece no último dia da Festa do Rosário, antes do descimento dos mastros. Andores com as imagens dos santos padroeiros da festa são carregados durante a procissão.  



O pai e os sete irmãos do rosário

O ciclo do rosário vai de agosto até o início de outubro, embora em muitos lugares, a Festa do Rosário acontece em outros meses.

São sete os irmãos do rosário, e um pai, formados por grupos, chamados ternos ou guardas. Em algumas cidades também são chamados de bandas, batalhão e corte.

O pai é o Candombe. Os irmãos, por ordem de aparecimento, são: Congo, Moçambique, Catopé, Marujo, Caboclinho, Cavaleiros de São Jorge e Vilão. 

Oliveira possui o pai, que é o Candombe, e quatro dos irmãos, que são o Moçambique, o Congo, o Catopé e o Vilão.

Candombe é o pai de todas as guardas e significa dança sagrada. É o elo de ligação entre o culto jêje-nagô e o catolicismo rústico. Não tem nada a ver com candomblé. Usa instrumentos de percussão.

Moçambique tem a função de puxar e escoltar as coroas. O instrumento de comando do capitão é o bastão. Usa caixas, zabumbas, gungas, dentre outros.

Congo é o terno mais antigo. Usa caixas e pandeiros rústicos. O instrumento de comando do capitão é a espada. No cortejo, vem à frente do Moçambique. Sua função é de policial e fornece guarda-coroas para reis e rainhas.

Catopé é o índio africano entrando na Irmandade do Rosário. É a dança dos catus. Sua função é de alegrar o ambiente, com boa música. Na falta do Moçambique, tem autorização para puxar o reinado. O instrumento de comando do capitão é o tambori. Usa caixas, sanfona, dentre outros.

Vilão é o caçula e o de Oliveira é um dos mais antigos e tradicionais. Sua função é de batedores, abrir caminhos para a passagem do cortejo e sinalizar, se houver perigo. Compara-se a um pelotão de guerreiros, deve dar segurança ao séquito real.



A importância da coroa
     
A eleição de reis e rainhas das Irmandades do Rosário dos Homens Pretos relembra antigas tradições africanas. No período da escravidão, tal eleição não deixava de legar aos reis eleitos uma certa “cidadania”, com regalias de liberdade, representatividade perante aos negros, mesmo sendo usada como meio de coibir, reprimir revolta, protestos e rebeliões.

A coroa deve ser sempre a Coroa da Fé. Ao serem coroados, reis, rainhas, príncipes e princesas assumem o compromisso da fé e ficam co-obrigados a difundi-la entre todos. E mesmo após a entrega da coroa, continuam a ser propagadores dessa fé altiva, vibrante, comunicante da graça.

Lá do céu, vem descendo uma coroa,
ela vem do reino da glória,
vamos pegar ela com jeito meus irmãos,
a coroa é de Nossa Senhora”. 



Reis

Congos - São os verdadeiros donos da festa. Representam Chico Rei, primeiro abolicionista do Brasil.
Grandes – Representam a Família Imperial e os senhores de escravos.
Perpétuos – Fazem voto de trabalhar pelo rosário por toda a vida.
Juízas – Já não existem mais. Eram a imagem da simplicidade consagrada a Nossa Senhora. Em Oliveira, quem ocupou este cargo pela última vez foi a “Sá-Biquinha”.



Irmandades

Tem-se notícia de Irmandade de Nossa Senhora do Rosário em todo mundo e no Brasil ela existe desde 1634. 

Em Minas Gerais, no Ciclo do Ouro (Fins do século XVII, início do século XVIII), tendo a Coroa Portuguesa proibido a entrada das ordens religiosas, por motivos públicos e econômicos, a Igreja criou as confrarias, saindo daí as irmandades, inspiradas nas corporações de ofícios da idade média.
Existiam várias irmandades e as pessoas participavam delas conforme a classe social a que pertenciam. Da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos participavam os negros cativos, com licença por escrito de seus senhores, e os negros libertos.

A irmandade da cidade de Oliveira está entre as mais antigas de Minas Gerais. 



A inserção do negro na Irmandade do Rosário

A dança é uma linguagem corporal e, para o negro, é via de comunicação e integração com a natureza, da criatura com seu Criador. O negro reza, dançando e cantando. Escravizados, já não podiam dançar livremente e, muitas vezes, dançavam dentro das senzalas.

A Igreja, buscando a cristianização dos negros africanos, permite as suas danças dentro da Irmandade do Rosário, proporcionando reencontro com as raízes, unindo os cativos em torno de algo comum que possuíam, ou seja, sua maneira característica de rezar.



Reafirmando isto, o falecido Capitão Leonídio João dos Santos, do terno de Moçambique de Nossa Senhora das Mercês, dizia o seguinte: “À época da escravidão, Nossa Senhora apareceu em uma árvore a um negro. Os brancos tentaram por várias vezes levar esta imagem para sua igreja, com procissão e banda de música, sem obter sucesso. Até que um terno de negros (O termo terno é da época da escravidão, em que se vendiam os negros em leilão público e anunciavam que estava sendo disponibilizado um terno de negros vindos de tal região africana) se ofereceu pra buscar a imagem, com seus tambores, cantos e danças. Os negros disseram que, se não conseguissem a façanha, poderiam ser chicoteados. E lá foram os negros, dançando o Moçambique, com suas roupas simples, pés no chão, seus tambores, seus cantos e sua dança. Nossa Senhora gostou e os acompanhou, ficando na igreja”. Por isso que o Moçambique escolta as coroas.

A grande mensagem dessa narrativa é evidenciar que a Virgem Maria aceitou os negros como eles são, com sua maneira de orar, dançando e cantando, tocando tambor. Ela não exigiu mudanças na sua manifestação de fé. Em memória disto canta-se: “Eu veio do mar, eu veio do mar, trazendo Nossa Senhora, Virgem Santa, Mãe de Deus, ela é a mãe dos negros, Santa que todo mundo adora”.




13 de Maio

Em vários lugares, os congadeiros fazem manifestações no dia 13 de Maio. Faz-se uma bonita festa, onde se relembra o passado, sente-se o presente e vislumbra-se o futuro. Todos os cantos são voltados para este dia.

“Vovô não quer casca de coco no terreiro,
é pra não se lembrar do tempo de cativeiro”.

Os textos desta matéria foram revisados e atualizados por Kilder Pinheiro (Jornalista e relações públicas da Casa dos Congadeiros Geraldo e Conceição Bispo) com base em pesquisa realizada nos arquivos da instituição. As fotos são do fotógrafo Sidney de Almeida.


Leitura da carta da senhora Octavila Teixeira Saffi - Sinhá Saffi - por  sua bisneta Júlia Isis, na Missa Conga de 03 de setembro de 2017 na Catedral Nossa Senhora de Oliveira.

Desfile de Guardas na Praça XV de Novembro.




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